Tempo de mudanças
Dom Bosco também viveu em um momento de profundas mudanças na sociedade da sua época, nos campos político, econômico e religioso. Depois da sua ordenação sacerdotal em 1841, foi convidado a continuar seus estudos teológicos no Colégio Eclesiástico de Turim. Foi então que ele “descobriu” os jovens “pobres e abandonados”. Esta era a expressão usada na época para se referir a esses jovens que perambulavam pela cidade. E decidiu dedicar sua vida a eles, iniciando uma caminhada que o levaria a criar uma entidade, o Oratório Festivo.
Naquela época houve uma grande migração de camponeses empobrecidos para a cidade, com o aumento das grandes propriedades e com o crescimento de trabalhadores assalariados, em geral diaristas. Muitos dos migrantes depois permaneciam na cidade, pois não tinham para onde retornar. Surgiram grandes bairros de pobres ao longo dos rios Dora e Pó, norte e noroeste, formados por aglomerados de cortiços. O resultado de tudo isso foi uma qualidade de vida pior do que no campo! E surgiram também os bandos juvenis, formados por jovens delinquentes, criminosos e esfomeados.
Nas Memórias do Oratório, Dom Bosco assim descreve os jovens que conheceu: “canteiros, pedreiros, estucadores, calceteiros, rebocadores e outros que vinham de povoados distantes [...], saboianos, suíços, do Vale de Aosta, de Biella, de Novara, da Lombardia” (MO, 127). Eram jovens que tentavam sobreviver com qualquer meio ou migrantes temporários. Todos estavam em situação de risco. Muitos estiveram nas prisões. A idade variava de 15 a 20 anos.
Desafios
Os meninos menores começaram a ser empregados nas empresas manufatureiras. Estes jovens não frequentavam a escola e cerca de 40% eram analfabetos. Muitos deles contraiam alguma doença (tuberculose, intoxicações, infecções virais) no local de trabalho. Por isso a maioria não tinha tempo para se preocupar com outras coisas como educação, prática religiosa, diversões e a família. A taberna era o único meio de diversão. O resultado era a embriaguez, a obscenidade e a violência.
Para resolver em parte esta situação, o Estado, em 1840, fez um significativo esforço para reformar as antigas estruturas correcionais. E a Igreja, como se posicionou? As estruturas paroquiais eram incapazes de resolver o problema e a maioria do clero não estava preocupada com esta situação social. Uma nova geração de padres, Cocchi, Dom Bosco e outros, sentiu o problema e tentou dar uma resposta. Os padres que participavam do Colégio Eclesiástico foram motivados por uma nova compreensão da situação social em que os jovens estavam e dos ambientes que os colocavam em situação de risco. E Dom Bosco estava entre estes “novos padres” que entenderam e responderam ao desafio.
O Oratório
E foi assim que, a duras penas, Dom Bosco com alguns padres começaram a visitar as prisões onde viam tantos jovens. Mas Dom Bosco percebeu que isso não traria resultado se não houvesse um trabalho de prevenção. Ele dizia que “os Oratórios devem ser considerados entre os meios mais eficazes para infundir o espírito religioso nos corações ainda não formados dos jovens abandonados”. (Introdução ao esboço de Regulamento do Oratório de 1854). E no rascunho das primeiras Constituições Salesianas (1858), depois de lamentar o abandono dos pais e outras causas de risco, escreve: “Os nossos esforços devem tender a salvaguardar a fé e a vida moral dessa categoria de jovens, cuja salvação está em maior perigo, precisamente pela sua pobreza. Este é o fim específico da Congregação de São Francisco de Sales, estabelecida primeiramente em Turim no ano de 1841”.
Para Dom Bosco o Oratório Festivo era uma instituição abrangente e versátil, desenhada para os jovens com uma mescla atrativa de “devoções, jogos e excursões”. É uma experiência de e com os jovens. Cuidar dos jovens em perigo implica satisfazer todas as suas verdadeiras necessidades e promover o desenvolvimento humano em sua totalidade.
O Oratório é visto como a raiz e o instrumento original do serviço dos Salesianos para a educação dos jovens. É uma obra educativa, cujo caráter específico se manifesta em um método todo especial, baseado na razão, na religião e no amor (caridade).
Realidade juvenil, ontem e hoje
O reitor-mor, padre Pascual Chávez, na Estreia 2013 diz que no primeiro Oratório de Valdocco vivia uma “síntese humanístico-cristã”, que tinha as seguintes características: “uma estrutura flexível, qual obra de mediação entre Igreja, sociedade urbana e faixas populares juvenis; o respeito e a valorização do ambiente popular; a religião como fundamento da educação, segundo o ensinamento da pedagogia católica transmitida a ele pelo ambiente do Colégio Eclesiástico; o entrelaçamento dinâmico entre formação religiosa e desenvolvimento humano, entre catequese e educação; a convicção de que a instrução constitui o instrumento essencial para iluminar a mente; a educação, assim como a catequese, que se desenvolve em todas as expressões compatíveis com a escassez de tempo e recursos; a plena ocupação e valorização do tempo livre; a cordialidade como estilo educativo e, mais em geral, como estilo de vida cristã”. Estas são as nossas raízes. Dom Bosco foi um homem aberto às realidades do seu tempo e soube dar uma resposta bem concreta diante de todos os desafios que se apresentavam à Igreja daquela época.
Atenta aos desafios dos tempos atuais, a Igreja no Brasil nos convida hoje a rezar e a refletir sobre o tema Juventude, não somente durante a CF 2013. Como diz o Texto-base da CF 2013: “Deus nos mostra a realidade juvenil atual, auxiliando-nos a descobrir nela o mistério que Ele nos quer revelar por meio do rosto jovem. Ele nos mostra a potencialidade inerente à juventude, bem como o que ainda está em desarmonia com a vida plena anunciada por Cristo”.
Padre Tarcizio Paulo Odelli, SDB, é secretário inspetorial da Inspetoria São Pio X, em Porto Alegre, RS.