Na construção de uma vida
Vinícius Rodrigues de Souza tem 17 anos e mora em Ferraz de Vasconcelos, região periférica de São Paulo. Ele já terminou o ensino médio e aguarda os resultados do ProUni, onde pleiteia uma vaga no curso superior de Engenharia Mecânica. Sua escolha, entretanto, foi feita há dois anos, quando se matriculou no curso de Mecânica do Instituto Dom Bosco, de São Paulo. Hoje Vinícius é um dos estagiários da instituição e foi muito bem recomendado por Sandro Martins, coordenador dos cursos de qualificação profissional do instituto. A instituição existe há 95 anos, recebe anualmente 2000 jovens, crianças e adolescentes, com atendimento diário a 600 alunos que, dentre os cursos profissionalizantes, convivem com os princípios salesianos.
“A maior dificuldade que encontramos nessa missão, entretanto, está na base da educação desses jovens. Na maioria, há grandes falhas na formação escolar. A deficiência, muitas vezes, os desestimula a prosseguir no curso profissionalizante. Outra dificuldade recorrente é a sobrevivência, propriamente. Eles deixam de estudar para ir trabalhar, e a maioria vai para o trabalho informal”, afirma Martins.
Das estatísticas à realidade
As estatísticas governamentais confirmam essa constatação. Um estudo do Ministério da Educação (MEC) reflete a realidade narrada por Martins, ao mostrar que 29% dos matriculados do 1° ao 9° ano trabalham. A ocupação é geralmente precária, quase a metade não tem carteira assinada e 71% ganham menos de um salário mínimo. “Verificamos isso e criamos, em 2010, o Projeto Núcleo de Encaminhamento Profissional. Trata-se de uma 'ponte' entre os educandos e as empresas, gerando uma perspectiva deles em relação a uma possibilidade de emprego, ao concluir o curso. Muitos vão trabalhar logo no primeiro mês de estudo”, relata o educador.
Outro aluno do Instituto Dom Bosco que foi contratado como estagiário da instituição é Kayque Amaral Dantas. Ele também tem 17 anos e deve concluir o ensino médio este ano. Já fez dois cursos nos últimos três anos e é fã da escola. “Ele levanta cedo e vai todo entusiasmado para o trabalho”, conta a mãe, Claudia Amaral Dantas. Filho mais velho de três, Kayque foi levado à unidade Tremembé por vontade da mãe. “Meu primo já tinha feito um curso lá e quando meu filho fez 14 anos eu o incentivei a seguir o mesmo caminho. Somos uma família estruturada, mas vivemos com simplicidade. Daí me preocupei em oferecer a ele algo que pudesse ajudá-lo a construir uma vida digna e correta", lembra Claudia. “Hoje me orgulho muito desse resultado e confio que seu caminho virtuoso já está traçado”.
O último curso feito por Kayque foi de Engenharia Mecânica e ele já está de olho na próxima etapa de seu percurso. “Pretendo fazer faculdade de Engenharia Mecânica, pois percebi que seria uma boa profissão para mim”, afirma. Kayque conta, entretanto, que não foi só o curso que o instigou a prosseguir: “No instituto, as pessoas se preocupam com você. O ensino é bom, mas o melhor é que as pessoas são muito consideradas”.
O olhar sobre o jovem
Pelo Brasil, não faltam exemplos de trabalhos no âmbito salesiano, com foco no jovem. O pedagogo Demmes Almeida, por exemplo, dos seus 30 anos, soma 10 deles dedicados a esse cuidar do jovem. Ele atua como assessor, pela Inspetoria São Domingos Sávio, no acompanhamento da juventude, é coordenador de pastoral na casa salesiana e assessor leigo na Arquidiocese de Belém, PA, junto à Pastoral da Juventude. Suas atuações consistem em ministrar cursos, palestras, trabalhos de acompanhamento de grupos de jovens e acompanhamento pessoal. “Vejo jovens que anseiam por algo que realmente valha a pena. Muitas vezes a gente deixa de acreditar e deixa de oferecer um caminho virtuoso a eles. O jovem, às vezes, só precisa de uma oportunidade, de um olhar de confiança para que ele se desenvolva. O Brasil é um país onde ainda temos deficiência nas políticas públicas. Entendo que é preciso haver um investimento, não só de recursos, mas para tornar o jovem um ser presente na sociedade, dando-lhe o efetivo protagonismo e amparo para que se desenvolva", pondera Almeida.
Cidadania como escolha
No município de Itajaí, a 90 km de Florianópolis, SC, a história de vida de Giovani Felix, educador da obra social Parque Dom Bosco, também merece relato. “Foi minha avó quem me matriculou na instituição quando eu tinha 16 anos. Em 1987 fui aluno no curso de marcenaria. Depois de seis meses, fui convidado a ser instrutor. Padre Dante Domênico Cemin, meu primeiro diretor, foi quem me fez o convite e que marcou muito a minha vida”, relata. O educador também veio de uma família humilde, foi criado pelos avós, Tilda e Brás Felix. Em 1994 Giovani ganhou o lugar de seu professor, Dilson João Muniz, que se aposentara. “Ele foi como um pai para mim, um educador de referência, que me instigou aos valores familiares”.
Em 2005, Felix foi convidado a assumir a coordenação dos cursos profissionalizantes. “Fui educando, educador e hoje sou coordenador. Sempre conto que já sentei na cadeira de aluno, de educador. No Sistema Preventivo, que valoriza o educando, por mais dificuldade que tenhamos com um adolescente, tem algo que vibra, como a corda de um violão, e o desafio do educador é descobrir de que forma ‘tocar’ essa criança”.
Felix observa que na cidade, tal como em outras regiões, a criminalidade está muito alta, e prescreve uma atitude do educador, de trazer a responsabilidade desses garotos para que eles sejam protagonistas de suas vidas. “Pode parecer complexo, mas refiro-me a coisas simples, baseadas em valores humanos e de respeito, que não têm sido instigadas em casa. Na sociedade esses valores sociais também não estão sendo respeitados”.
Nas últimas eleições municipais, Giovani foi o quinto vereador mais votado da cidade e ao fazer esse relato, se emociona: “Me candidatei sem dinheiro e fui eleito com 1903 votos, votos de coração”. E o educador encerra: “Penso que podemos fazer a diferença na vida das pessoas quando a gente se coloca para servir. O exemplo vem de Jesus Cristo, ele foi humilde. O Sistema Preventivo de Dom Bosco busca o respeito e o valor do próximo. Diante de todos esses elementos, tenho certeza de uma coisa: a maioria dos problemas que encontramos nos jovens carentes não é resolvida com dinheiro. Mais do que dinheiro, precisamos de boa vontade, responsabilidade e ‘amorevolezza(*)’”.
(*) Palavra sem tradução na língua portuguesa que alguns identificam como bondade. Pode-se dizer que esse é “o Evangelho em termos de pedagogia”.