A vontade de ser um missionário se instalou em Glauco há muito tempo, quando estava ainda no ensino médio, durante a aula de Geografia. "Na aula, a gente teve contato com os Médicos Sem Fronteiras. O trabalho deles me marcou muito. E eu fiquei com aquilo na cabeça, queria fazer um trabalho como aquele", revela. Desde esse dia, a vida de Glauco, que fez o ensino médio na escola salesiana onde hoje leciona, tomou muitos rumos. Ele se formou em Publicidade e Propaganda, trabalhou na área, mas um dia a vocação de ensinar falou mais alto: "Chegou um momento em que percebi que não era aquilo que eu queria. Então fui fazer uma outra graduação, em História, para poder dar aula. E isso tem uma ligação com o Instituto São José, pois desde a época da escola já gostava de estudar com os colegas. Quando eu quis mudar de área, me lembrei muito do que fazia na escola e isso ajudou a direcionar essa nova escolha", conta o educador.
Antes de embarcar rumo a Moçambique, Glauco chegou a avaliar outras possibilidades: parcerias do governo brasileiro com o Timor Leste, programas da ONU para voluntários, até que percebeu: a oportunidade estava diante de seus olhos. Afinal, ele trabalhava em uma escola salesiana, fazia parte de uma Congregação com trabalhos sociais espalhados por todo o mundo. Animado com as possibilidades, decidiu conversar a respeito com a diretora do colégio, Irmã Lúcia Maistro. "Ela adorou a ideia e me colocou em contato com a inspetora das Salesianas em Moçambique. Assim, pude usar minhas férias para realizar esse sonho", recorda.
As atividades de formação em Moçambique
Ao chegar ao país, Glauco ficou um dia na Capital Maputo, e depois seguiu para Moatize. Hospedou-se na casa das irmãs FMA e, durante seu trabalho, teve contato direto com alunos e educadores das escolas salesianas locais. Durante sua estada, as atividades foram intensas. Para os estudantes, deu aulas de reforço de Matemática, Português e Inglês. Também trabalhou valores e princípios, orientando os alunos a pensar questões de amizade, respeito aos pais, professores e colegas.
Com os professores, foi uma capacitação de duas semanas. No início da primeira semana, assistiu às aulas de todos eles, da educação infantil ao ensino fundamental. "Montamos a capacitação em cima disso. Tivemos três encontros. O primeiro tratou sobre como desenvolver a autonomia do aluno, fazer com que o aluno possa buscar o conhecimento de maneira autônoma, e não se torne um robozinho. Trabalhamos também a personalização do ensino: olhar cada aluno como um indivíduo, com suas dificuldades", relata. Glauco também falou aos educadores sobre as características da educação salesiana e do professor que aplica, no dia a dia, o Sistema Preventivo de Dom Bosco.
"Tratamos sobre como ter uma relação de bondade e de proximidade com o aluno, saber ouvir e estar entre os alunos, evitando um pouco a postura autoritária. A capacitação foi bem legal porque como os professores de lá são contratados pelo Estado, eles não têm essa formação salesiana. Inclusive, levei material da Rede Salesiana de Escolas: os postais, que distribuí aos professores, e uma coleção de Salesianidade, que ficou na escola, para futuras formações".
Lembranças de uma realidade difícil
O professor Glauco levou para casa muitas lembranças de uma situação econômica, social e política complicada vivida pelos moçambicanos. Na primeira semana, teve dificuldade em se adaptar àquele mundo bastante diferente de seu cotidiano em São José dos Campos. "Vi muita situação de pobreza, talvez comparável ao que a gente tem no sertão do Nordeste. Falta tudo." Para exemplificar, ele cita a condição precária das vestimentas de muitas crianças, a falta de água encanada e energia elétrica, a exploração do povo por empresas e as poucas ONGs e obras sociais engajadas no enfrentamento da situação.
Ao mesmo tempo, Glauco destaca as boas impressões que lhe causou o espírito de entusiasmo e luta do povo de Moçambique. "Mesmo vivendo uma situação de dificuldade, é um povo que luta, que batalha, e que vence. E é um povo muito feliz, que sempre está cantando e dançando, até como uma forma de espantar a tristeza. Um povo muito batalhador e que está indo atrás de construir o seu país", ressalta.
O professor da Rede também diz ter crescido muito como ser humano e hoje vê a própria vida com outros olhos: "Às vezes a gente reclama muito. Há coisas que são normais para a gente que tem, mas que grande parte do mundo simplesmente não tem. Percebi que precisava dar mais valor para coisas simples do dia a dia. Isso também foi uma experiência".
Glauco também relembra com grande admiração o trabalho das irmãs salesianas em Moçambique. Para ele, uma verdadeira entrega e dedicação à juventude: "Para mim, as irmãs salesianas, elas sim são missionárias, têm aquele espírito de se doar pelas crianças e pelos jovens. Tem irmãs que estão há 30 anos naquela cidade, e elas abriram mão da vida delas para se doar para aquelas crianças. Se não fossem elas, com certeza a situação seria muito pior. O trabalho delas é um exemplo de alma missionária".
De volta ao Brasil
Quando o professor Glauco voltou ao Brasil e ao Instituto São José, a Irmã Lúcia organizou um bom-dia especial com os alunos, do 6º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio. Nesses momentos, e também em sala de aula, o educador contou às crianças, jovens e aos colegas educadores os detalhes da experiência na África. "Acho que o mais importante é estimular as pessoas. Aqui mesmo na cidade as pessoas podem fazer esse trabalho de doação, não precisa ir para a África", destaca. Com o espírito renovado, Glauco de Souza Santos retoma as aulas de História e as contribuições diárias à preparação dos seus alunos para os desafios dos vestibulares e da vida.
Para os educadores da RSE, ele deixa uma sugestão: ter sempre um olhar humano para os jovens. "Você está junto dele para ajudá-lo a amadurecer, a crescer, a se formar como pessoa. A gente precisa ter sempre um olhar humano. Às vezes, ainda mais nesses tempos de uso da tecnologia, olha-se para o aluno como um número, um ser que precisa passar no vestibular. É preciso sentar e ouvir um pouco, conversar, se aproximar de nossos alunos. A partir daí vão surgir ideias, e o professor tem muito a ganhar com isso", conclui.