No Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), feito pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e divulgado no ano passado, o Brasil é o segundo maior consumidor de cocaína e derivados (incluindo o crack), atrás apenas dos Estados Unidos. O estudo mostra que o contato com a droga começa cedo: quase metade (45%) dos usuários provou a substância pela primeira vez antes dos 18 anos.
Segundo outra pesquisa, o Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas, realizada pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) e pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), em 2004, o consumo de álcool por adolescentes de 12 a 17 anos já atinge 54% dos entrevistados e, destes, 7% preenchiam os critérios para dependência do álcool. Entre os jovens de 18 a 24 anos, 78% já fizeram uso do álcool e 19% são dependentes: em outras palavras, quase 1/5 da população jovem que bebe é dependente.
Em todas as reportagens ou artigos que já li sobre o assunto, os especialistas deixam claro que o consumo precoce de drogas, incluindo o álcool, afeta o desenvolvimento do cérebro e aumenta os riscos de dependência química e alcoolismo. É sem dúvida um problema de saúde pública. Outras questões também sempre estão envolvidas, como violência, tráfico, crimes de lavagem de dinheiro e por aí vai... o que é muito sério, mas não é no que eu vou ‘me prender’ nesse momento.
A que drogas nos referimos?
Eu me pergunto se percebemos a ampla gama de sentidos do uso das drogas. Como os adolescentes e jovens encaram as drogas? O que elas simbolizam culturalmente? A que nós mesmos como educadores nos referimos quando falamos de drogas? Tenho a impressão que a sociedade talvez esteja mais “drogada” do que percebemos...
Felipe Ghiardo, pesquisador do CIDPA (Chile), em um de seus artigos afirma algo que acontece por aqui também: quando os jovens falam de ‘drogas’, geralmente falam de drogas ilegais. Assim, um jovem que tem o discurso “alheio” de quem nunca fumou maconha ou crack e que as coloca como “negativas” – reproduzindo todo um discurso oficial “aprendido”–, é o mesmo jovem que já fumou cigarro ou caiu bêbado em alguma festa.
Com a morte de Chorão e sua repercussão, o vocalista da banda Detonautas, Tico Santa Cruz, divulgou pelas redes sociais uma mensagem da qual trago aqui um trecho: “gostaria de saber que moral que tem uma sociedade tabagista, alcoólatra, que consome remédios (DROGAS) de todos os tipos - para dormir, para emagrecer, anabolizantes, estimulantes vendidos em farmácias e mais um monte de porcarias legalizadas - para falar do que o cara fez ou deixou fazer. Isso não é problema de ninguém![...]”.
Com certeza o Tico seria apoiado por Mariana Lioto, autora da dissertação de mestrado Felicidade engarrafada: bebidas alcoólicas e música sertaneja, que sustenta que a música sertaneja não só reflete um comportamento já existente, mas ajuda a “naturalizar” o hábito de beber, fazendo associações positivas com mulheres, festas, fuga do trabalho, e escondendo os seus efeitos negativos. Não sou contra nenhum gênero musical, mas aqui o sertanejo foi utilizado a título de exemplo de como os bens de consumo simbólico, dentre eles a música, influenciam e realimentam costumes, ideologias e modelos culturais de uma sociedade.
Aceitação
A partir disso, traduzo aqui o trecho do artigo do padre Perdomo que complementa este pensamento: “Quanto anos tem? 14. Que bebes? Rum, cerveja... Quanto bebes? Não sei, começo a beber e começo a me alegrar, não sei até quanto. Seus pais sabem que bebes? Sim, mas não sabem a quantidade. Por que bebes? Para me divertir com meus amigos, esquecer os problemas. Há, portanto, uma motivação intrapsíquica que o obriga a ‘esquecer’ algo que na consciência causa dor, e por outra parte tem um componente social que para ser aceito no grupo e ‘estar com os amigos’ deve seguir seus mesmos padrões de conduta”. Nessa citação, são apontados elementos pertinentes aos “sentidos” atribuídos ao uso de drogas, e mais especificamente o álcool: aceitação e vivência em grupo, cura ou fuga de problemas, desafio pessoal, teste dos limites...
Talvez a gente viva “batendo na tecla da demonização das drogas”, centrando nosso discurso no objeto e não nos sujeitos. Será que “Não utilize drogas porque faz mal à saúde” é o discurso preventivo que temos de fazer? Será que é este tipo de discurso que dialoga com as necessidades dos adolescentes e jovens? E no mais... o que temos a oferecer além de discursos?