Criatividade e esperança em São Gabriel da Cachoeira

Segunda, 05 Janeiro 2015 18:29 Escrito por 
Na fronteira do Brasil com a Venezuela e a Colômbia, no extremo Noroeste amazônico, a comunicação permite unir forças e valorizar a cultura indígena.

A serenidade da voz e a tranquilidade dos gestos não escondem o entusiasmo de irmã Carmelita Conceição quando fala das iniciativas de comunicação e de educação em áreas indígenas. Ela é delegada de Comunicação na Inspetoria Santa Teresinha, inspetoria missionária das Filhas de Maria Auxiliadora (FMA) na Amazônia. Embora a sede fique em Manaus, AM, irmã Carmelita mora e trabalha em São Gabriel da Cachoeira, município na fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela, no Noroeste amazônico.

As irmãs salesianas são responsáveis por duas escolas em São Gabriel. A primeira, com turmas do 1º ano do ensino fundamental até o 3º ano do ensino médio, atende cerca de 1.900 alunos e é conveniada com o governo. Trata-se, portanto, de uma escola pública. A segunda é uma instituição de educação infantil, particular, com 150 alunos.

Outro trabalho realizado pelas FMA é o das atividades socioeducativas com cerca de 300 crianças do município. Na mesma casa, há um abrigo ligado à Secretaria de Ação Social, de alta complexidade, onde estão acolhidas 25 meninas, vítimas principalmente da violência familiar. A terceira comunidade é de inserção na paróquia e acompanhamento vocacional.

 

Elo entre as comunidades

“A comunicação aqui é um elo dessas comunidades. É o que permite a união entre elas, com a sede em Manaus e com as casas mais distantes, pois temos cinco comunidades que ficam mesmo inseridas na floresta, das irmãs que trabalham com os indígenas”, afirma irmã Carmelita.

Ela destaca que São Gabriel da Cachoeira é uma diocese onde, por sua localização, os serviços de comunicação são muito precários. Internet, telefone e Correio são lentos, muitas vezes não funcionam ou simplesmente não existem em alguns locais. “Trabalhamos com a criatividade e com o método mais antigo e prático de comunicação: a radiofonia. Todas as casas têm seu rádio, as mais distantes em sistema fechado”, explica a salesiana. Há também o Remanso, o boletim inspetorial.

Nesse contexto, o Boletim Salesiano cumpre um papel importante de levar informação e formação para alunos e suas famílias, e por isso é muito lido e apreciado. “A maioria dos alunos não tem acesso à internet. Eles gostam de ler e ficam felizes em receber o BS. E o Boletim chega na família! Os pais comentam o que leram. Isso também porque, já desde os primeiros salesianos, colocaram nas pessoas esse amor a Dom Bosco e a Maria Auxiliadora. Então quando há algum convite para fazer parte do ambiente salesiano, para uma formação, para receber o BS ou algum material de salesianidade, eles respondem na hora”.

 

Valorização da cultura

Uma das grandes funções da Comunicação na Inspetoria Santa Teresinha tem sido a de preservar a cultura indígena, para que os jovens conheçam e valorizem suas raízes. Em um museu, em Manaus, foi montada uma exposição com alguns objetos indígenas que, no passado, foram dados de presente para as irmãs: um acervo que tem valor cultural e histórico.

A iniciativa mais recente das FMA foi a digitalização do acervo de discos com cantos indígenas. “Esses discos em vinil foram feitos por um salesiano que gravou cantos em língua indígena e sons de pássaros. Os discos ficaram lá com as irmãs, no museu. Um jovem que é linguista, é do Amazonas e faz um curso de pós-graduação nos EUA, conseguiu digitalizar todo esse material em troca de utilizá-lo para sua pesquisa”, conta irmã Carmelita. O próximo passo é digitalizar também os filmes em Super 8, feitos pelos antigos missionários salesianos na região. Várias filmagens foram feitas e depois distribuídas para as casas. O momento agora é de recolher esse material para avaliar quais têm valor histórico. Algo para ser feito com paciência e esperança, sem a pressa tão característica da área de comunicação em outras regiões.

Mas, para irmã Carmelita, o maior desafio das FMA na região está na educação. “Hoje o jovem tem acesso a muita informação, mesmo em São Gabriel da Cachoeira. Mas o que trabalhamos com o jovem é que ele assuma sua identidade indígena para construir o conhecimento a partir da sua própria cultura. Sonhamos muito com um centro universitário indígena na região. Hoje muitos jovens saem de São Gabriel para estudar fora, em busca do conhecimento; e o bonito seria se a gente pudesse trazer o saber tradicional para o ambiente universitário, sistematizar esses conhecimentos e oferecer aos jovens”, finaliza.

 

Às margens do Rio Negro

São Gabriel da Cachoeira fica no interior do estado do Amazonas, no extremo noroeste do Brasil. É distante 852 quilômetros de Manaus e está às margens da Bacia do Rio Negro, fazendo divisa com a Colômbia e a Venezuela. Boa parte do seu território é abrangido pelo Parque Nacional do Pico da Neblina, além das terras indígenas de Alto Rio Negro, Médio Rio Negro I, II e III e Rio Tea. No município, nove entre dez habitantes são indígenas, sendo o município com maior predominância de indígenas no Brasil. De acordo com estimativas de 2014 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sua população é de 42.342 habitantes.

Em um caso inédito na federação brasileira, em 2002 três idiomas indígenas foram reconhecidos como línguas oficiais em São Gabriel, ao lado do português: o nheengatu, o tucano e obaníua, línguas tradicionais faladas pela maioria dos habitantes do município. O município foi a primeira localidade brasileira a reconhecer outros idiomas como oficiais, além do português.

 

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Última modificação em Terça, 06 Janeiro 2015 09:30

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Criatividade e esperança em São Gabriel da Cachoeira

Segunda, 05 Janeiro 2015 18:29 Escrito por 
Na fronteira do Brasil com a Venezuela e a Colômbia, no extremo Noroeste amazônico, a comunicação permite unir forças e valorizar a cultura indígena.

A serenidade da voz e a tranquilidade dos gestos não escondem o entusiasmo de irmã Carmelita Conceição quando fala das iniciativas de comunicação e de educação em áreas indígenas. Ela é delegada de Comunicação na Inspetoria Santa Teresinha, inspetoria missionária das Filhas de Maria Auxiliadora (FMA) na Amazônia. Embora a sede fique em Manaus, AM, irmã Carmelita mora e trabalha em São Gabriel da Cachoeira, município na fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela, no Noroeste amazônico.

As irmãs salesianas são responsáveis por duas escolas em São Gabriel. A primeira, com turmas do 1º ano do ensino fundamental até o 3º ano do ensino médio, atende cerca de 1.900 alunos e é conveniada com o governo. Trata-se, portanto, de uma escola pública. A segunda é uma instituição de educação infantil, particular, com 150 alunos.

Outro trabalho realizado pelas FMA é o das atividades socioeducativas com cerca de 300 crianças do município. Na mesma casa, há um abrigo ligado à Secretaria de Ação Social, de alta complexidade, onde estão acolhidas 25 meninas, vítimas principalmente da violência familiar. A terceira comunidade é de inserção na paróquia e acompanhamento vocacional.

 

Elo entre as comunidades

“A comunicação aqui é um elo dessas comunidades. É o que permite a união entre elas, com a sede em Manaus e com as casas mais distantes, pois temos cinco comunidades que ficam mesmo inseridas na floresta, das irmãs que trabalham com os indígenas”, afirma irmã Carmelita.

Ela destaca que São Gabriel da Cachoeira é uma diocese onde, por sua localização, os serviços de comunicação são muito precários. Internet, telefone e Correio são lentos, muitas vezes não funcionam ou simplesmente não existem em alguns locais. “Trabalhamos com a criatividade e com o método mais antigo e prático de comunicação: a radiofonia. Todas as casas têm seu rádio, as mais distantes em sistema fechado”, explica a salesiana. Há também o Remanso, o boletim inspetorial.

Nesse contexto, o Boletim Salesiano cumpre um papel importante de levar informação e formação para alunos e suas famílias, e por isso é muito lido e apreciado. “A maioria dos alunos não tem acesso à internet. Eles gostam de ler e ficam felizes em receber o BS. E o Boletim chega na família! Os pais comentam o que leram. Isso também porque, já desde os primeiros salesianos, colocaram nas pessoas esse amor a Dom Bosco e a Maria Auxiliadora. Então quando há algum convite para fazer parte do ambiente salesiano, para uma formação, para receber o BS ou algum material de salesianidade, eles respondem na hora”.

 

Valorização da cultura

Uma das grandes funções da Comunicação na Inspetoria Santa Teresinha tem sido a de preservar a cultura indígena, para que os jovens conheçam e valorizem suas raízes. Em um museu, em Manaus, foi montada uma exposição com alguns objetos indígenas que, no passado, foram dados de presente para as irmãs: um acervo que tem valor cultural e histórico.

A iniciativa mais recente das FMA foi a digitalização do acervo de discos com cantos indígenas. “Esses discos em vinil foram feitos por um salesiano que gravou cantos em língua indígena e sons de pássaros. Os discos ficaram lá com as irmãs, no museu. Um jovem que é linguista, é do Amazonas e faz um curso de pós-graduação nos EUA, conseguiu digitalizar todo esse material em troca de utilizá-lo para sua pesquisa”, conta irmã Carmelita. O próximo passo é digitalizar também os filmes em Super 8, feitos pelos antigos missionários salesianos na região. Várias filmagens foram feitas e depois distribuídas para as casas. O momento agora é de recolher esse material para avaliar quais têm valor histórico. Algo para ser feito com paciência e esperança, sem a pressa tão característica da área de comunicação em outras regiões.

Mas, para irmã Carmelita, o maior desafio das FMA na região está na educação. “Hoje o jovem tem acesso a muita informação, mesmo em São Gabriel da Cachoeira. Mas o que trabalhamos com o jovem é que ele assuma sua identidade indígena para construir o conhecimento a partir da sua própria cultura. Sonhamos muito com um centro universitário indígena na região. Hoje muitos jovens saem de São Gabriel para estudar fora, em busca do conhecimento; e o bonito seria se a gente pudesse trazer o saber tradicional para o ambiente universitário, sistematizar esses conhecimentos e oferecer aos jovens”, finaliza.

 

Às margens do Rio Negro

São Gabriel da Cachoeira fica no interior do estado do Amazonas, no extremo noroeste do Brasil. É distante 852 quilômetros de Manaus e está às margens da Bacia do Rio Negro, fazendo divisa com a Colômbia e a Venezuela. Boa parte do seu território é abrangido pelo Parque Nacional do Pico da Neblina, além das terras indígenas de Alto Rio Negro, Médio Rio Negro I, II e III e Rio Tea. No município, nove entre dez habitantes são indígenas, sendo o município com maior predominância de indígenas no Brasil. De acordo com estimativas de 2014 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sua população é de 42.342 habitantes.

Em um caso inédito na federação brasileira, em 2002 três idiomas indígenas foram reconhecidos como línguas oficiais em São Gabriel, ao lado do português: o nheengatu, o tucano e obaníua, línguas tradicionais faladas pela maioria dos habitantes do município. O município foi a primeira localidade brasileira a reconhecer outros idiomas como oficiais, além do português.

 

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